25.9.06

Céus em Fogo

Foto colhida na net, aqui

Um corpo, certamente. Mas que é um corpo?
Boca, seios, coxas, sexo,
um sorriso, a mão que afaga, voz?
Que trevas, quais trevas,
de esquecer ou ir tão fundo
quando o desprender-se da alma abre
nas portas da luxúria os céus em fogo?

(Adolfo Casais Monteiro)

21.9.06

Paraíso

Foto colhida na net, aqui.

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.


(David Mourão-Ferreira)

14.9.06

As amoras

Foto colhida na net aqui

O meu país sabe a amoras bravas no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

(Eugénio de Andrade)

11.9.06

A dança

"Affection" de Alfred Gockel

Não te amo como se fosses a rosa de sal, topázio
Ou flechas de cravos que propagam o fogo:
Te amo como se amam certas coisas obscuras,
Secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
E graças a teu amor vive escuro em meu corpo
O apertado aroma que ascendeu da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
Te amo assim directamente sem problemas nem orgulho:
Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
Senão assim deste modo que não sou nem és,
Tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha,
Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.


(Pablo Neruda)

4.9.06

Cidade

Porto, da Torre - foto de Manuela Vaz

Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)