30.9.05

A noite que fica ...

Ao longe, ao luar,
No rio, uma vela
Serena a passar,
O que me revela
Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me um estranho
E sonho, sem ver
Os sonhos que tenho.
Que angústia me enlaça,
Que amor não se explica.
É a vela que passa
Na noite que fica

(Fernando Pessoa)

28.9.05

A minha esperança mora ...


Foto colhida em http://www.ci.boulder.co.us/


A minha esperança mora
No vento e nas sereias -
É o azul fantástico da aurora
E o lírio das areias.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

20.9.05

Mar sonoro

Mar sonoro, mar sem fundo , mar sem fim,
A tua beleza aumenta quendo estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

18.9.05

Estou vivo e escrevo sol


Foto colhida em http://pro.corbis.com/

Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde

(António Ramos Rosa)

16.9.05

Nothing gold can stay

Nature's first green is gold,
Her hardest hue to hold.
Her early leaf's a flower;
But only so an hour.
Then leaf subsides to leaf.
So Eden sank to grief,
So dawn goes down to day.
Nothing gold can stay.


(Robert Frost)


Dourado é o primeiro verde da natureza,
para reter seu mais precioso matiz.
Sua folha primeira é uma flor,
mas apenas o é por uma hora.
Então, a uma folha sucede-se outra.
Tal como o Eden mergulhou na dor,
Também a aurora dá lugar ao dia.
Dourado algum jamais perdura.

(Tradução livre: Pink)

15.9.05

Delírio


Foto colhida em http://www.karsten-fotografie.de/

É o meu mel
que eu cheiro na tua boca

É no teu pénis
que eu bebo a sede toda

Nos meus lábios abertos
que me vencem
eu nado devagar sem ter vergonha

É a lagoa - eu digo
de veludo

É o grito - eu sei
na raiva solta

É a proa do prazer
sobre o lençol
onde mais tarde vai rebentar a onda

Secreto é o ruído
dos corpos
no combate
Os elmos já depostos pelo chão
caídas as viseiras e as máscaras
o vestido misturado à armação

São fulvos os cavalos
com as patas cor do pó
tropeçando na paz adormecida

Eu levo a bandeira
do orgasmo
E "para tão grande amor é curta a vida"

(Maria Teresa Horta)

12.9.05

sem nome



Indemne atravessei as labaredas
porque o Amor faz a Obra
e o fogo faz o Amor.

(Natália Correia)

11.9.05

Apelo


Foto de Naná Sousa Dias
em
http://www.1000imagens.com/

Atravessa os caminhos da noite
e vem.

Nas fontes, vivas,
do meu corpo
saciarás a tua sede.

Os ramos dos meus braços
serão sombra rumorejante
ao teu sono, exausto.

Atravessa os campos da noite
e vem.

(Luísa Dacosta)

9.9.05

Canção entregue ao nada


http://pro.corbis.com/

Hoje venho oferecer esta tristeza às coisas
No gesto esquivo de não as desejar.
Pôs em minha alma como o sol nas frias lousas
A vida o gosto de esplandecer em recusar.

São-me alheias estas margens onde corre
O destino que aos dados aos deuses eu lancei.
O que me dói é ver que tudo morre
Noutras mãos em gestos que tracei.

(Natália Correia)

Amor à vista

Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes ...
isso sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor! ...

(Fernando Echevarria)

7.9.05

Wild nights



Wild Nights! Wild Nights!
Were I with thee,
Wild Nights should be
Our luxury!
Futile the winds
To a heart in port,
Done with the compass,
Done with the chart!
Rowing in Eden!
Ah! the sea!
Might I but moor
To-night in Thee!

(Emily Dickinson)

3.9.05

A palmeira ergue-se ...



A palmeira ergue-se
na paisagem cálida
o corpo ergue-se
Tenso
sob o peso
Denso
do Ar
Amámos o vento
onde os nossos corpos
navegam na densidade
quente
Deste momento.

(Fernando Bouça)